UM BRASIL TESUDO NA BARRIGA DE GENIVAL

genival lacerda

Raul Seixas, que entendia das coisas, já tinha cantado a pedra na emblemática música Rock’Roll: “Pois há muito percebi que Genival Lacerda tem a ver com Elvis e com Jerry Lee”. Perfeito isso, sacada de mestre. Pois é: muito antes de se consolidar essa figura lamentável do roqueiro velho, reaça e engessado, lá atrás, em termos corporais, o rock era coisa mesmo de remexe-mexe de quadris, caretas e daquilo que no Nordeste chama de muganga.

E era isso que Genival Lacerda era antes de tudo: um mugangueiro como Chuck Berry, Elvis, Jerry Lee Lewis e tantos mais que botavam as cadeiras pra balançar lá início do rock. E no caso dele ainda com um diferencial magistral que era aquela barriga, o “calo sexual”, a pança erotizada que era uma marca e quase que uma personagem à parte; uma barriga que remete ao hara, fartura e sexualidade, das imagens dos budas ditosos.

E Genival tinha mesmo essa de coisa de ídolo pop star, pop na melhor definição dessa expressão. Criou um personagem, moldou um estilo de figurino, firmou repertório, meteu as caras na estrada, criou uma carreira efusiva e levou seu carisma como marca registrada pelo país inteiro, incluindo aqui o “sul maravilha”, onde a presença nordestina sempre foi imensa, mas muito invisibilizada. Aliás, há alguns anos eu tinha descoberto que ele era concunhado do também paraibano e gênio absoluto Jackson do Pandeiro, que foi quem o aconselhou a mostrar seu trabalho e sair pelo mundo pra viver de música.

Genival gravou a incrível marca de 70 discos.

Lá em casa, quando criança, casa de família paraibana, meu irmão e eu crescemos com Genival sempre presente, muito pela voz de mãe e de avó, além do nosso queridaço tio Bolinha, cuja imensa discoteca tinha um número bastante expressivo de discos dessa linha do chamado forró de duplo sentido, onde Genival era rei, e que contém os clássicos Manhoso, Clemilda, Sandro Becker, o genial Alípio Martins, o próprio cearense Falcão, entre tantos.

Com essa “formação” familiar, acabamos engraçadamente nos tornando profundos conhecedores desse forró de duplo sentido, que é uma linha musical absolutamente non-sense e altamente criativa. E dessas linhas que são tão populares, no sentido de povão mesmo, que não são nem notadas pelas academias, pelos catálogos, nem dignos de observação com alguma atenção pelos estudiosos da música. Algo parecido com o que acontece com o “sambandido” ou com algumas das vertentes do brega tocado em cabarés e festas populares país a dentro.

Genival se foi e com ele vai ficando a percepção que todas as figuras ícones populares do século vinte vão se despedindo e deixando um gostinho nostálgico de um passado recheado de figuraças icônicas da música, da comunicação, do espetáculo.

Lendo notícias hoje pela rede vejo que o enterro em Campina Grande, na Paraíba, sua terra natal, foi digno do ídolo que era, apesar do contexto de não poder aglomerar; um cortejo e um trio de forró pé de serra marcaram presença. Fosse em outro momento dava pra sentir que seriam dias de celebração em Campina, essa cidade que é uma das capitais do forró mundial e uma usina nacional de música e criatividade.

Em tempo, cabe comentar: a morte de Genival foi devido a complicações da covid-19 e isso diz muito sobre o momento que vivemos. Os que hoje nos levam a esse buraco sem fim de descaso e de morte, fazem de tudo para matar o povo, para sufocar tudo o que é popular, e uma das muitas armas usadas é justamente o expediente de querer matar a alegria característica dos segmentos populares que construíram esse país.

A verdade é que o poder constituído nos quer tristes. A alegria, a irreverência, o tesão, a festa, são elementos revolucionários de verdade e é isso que nossa elite não suporta – e que também teme, aliás. Ao contrário do que prega essa ideologia direitista fascista nacional, o povo brasileiro trabalha como cão mas historicamente não deixa nunca de celebrar a vida e alegria nos forrós, nas festas e nas feiras Brasil a fora. E o suingue, a picardia e a barriga sensual de um Genival Lacerda são a prova disso.

O genial Genival Lacerda se foi – e que vá em paz! – e ainda tem uma coisa, se foi deixando uma questão que jamais terá uma resposta digna à altura: “de quem é esse jegue?”

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[ heraldo hb – pitacolândia – 07 de janeiro de 2021 ]

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