Neste 13 de junho de 2023, dia de Santo Antônio, padroeiro de Caxias, também dia de Exu, é justo hoje em que se comemora o aniversário de cinquenta anos da Roda Livre de Caxias, uma das rodas de Capoeira mais famosas e respeitadas do mundo. De vez em quando falo isso em público e é engraçado que sempre aparece um baiano que se morde e protesta, mas isso é verdade mesmo e é fácil de entender. Mas, primeiro o início.
Ainda não imaginavam o que viria ser a roda no futuro, e essa nem tinha a palavra livre no nome ainda, mas pense nuns moleques que treinavam nas primeiras academias de Capoeira de Caxias, dos pioneiros da cidade, Mestre Barbosa e Mestre Josias. Em pleno auge da ditadura militar essa galerinha resolve fazer Capoeira na rua, sem a rigidez da capoeiragem de academia e seus regramentos, o que era um sacrilégio para os mestres pioneiros e um perigo de ser enquadrado pela polícia do momento.
E essa primeira roda foi exatamente no dia 13 de junho de 1973 durante a tradicional Festa da Igreja de Santo Antônio, no pátio da igreja. Faziam parte desse grupo inicial os hoje Mestres Russo e Peixe.
A história é longa, cheia de detalhes incríveis, e tem como conhecê-la através de textos e depoimentos, mas não é missão desse texto aqui hoje.
Depois dessa primeira roda libertária, meio anárquica, a Praça do Pacificador, no centro da cidade, passou a ser seu palco regular.
E é preciso falar do Mestre Russo, primeira grande figura pra louvar no dia de hoje… Um cara incompreendido, em suas palavras, Russo segurou durante anos a onda de liderar a Roda, o que lhe valeu a alcunha de Zelador. Além de capoeirista, pensador sobre Capoeira, Cultura e Filosofia de vida, Mestre Russo escreveu um livro muito instigante, “Capoeiragem – Expressões da Roda Livre”, misto de autobiografia e história da Roda. Também foi personagem do documentário O Zelador, dirigido por um aluno inglês, Daren Bartlett, filme que infelizmente ainda é de difícil acesso.
O cara já viajou pelo mundo inteiro e é conceituado em vários países, uma das coisas responsáveis pela fama da Roda no exterior. E da Roda Livre, vários mestres que passaram por ela acabaram levando a semente da Capoeira para diversos lugares do mundo. Mestre Rogério, por exemplo, se radicou na Alemanha e mantém um trabalho sólido por lá; Mestre Pedrinho, primeiro na Argentina e depois na França; e Mestre Cobra Mansa, nos Estados Unidos, criando lá a sede da Fica – Fundação Internacional de Capoeira Angola. Fora que todo ano vários mestres são convidados a excursionarem no estrangeiro. Caxias é um potente pólo exportador de Capoeira para o mundo. Quando estive na França encontrei vários capoeiristas lá e quando dizia que era de Caxias, a deferência era total.
Para quem acha que Capoeira é algo menor, apenas um detalhe, um “folclore”, até não faz muito sentido celebrar uma data como essa. Mas pra quem sabe que a Capoeira é uma das bases da Cultura do país e é um fundamento muito enraizado, e pra quem sabe que na Baixada mora uma força ancestral lindaça, hoje é dia de dedicar uma prece e um brinde a essa história tão rica e tão ilustrativa para as lutas do povo brasileiro.
»» Pra quem quiser conhecer detalhes e sacadas muito legais sobre a Roda de Caxias recomendo a dissertação da pesquisadora Adriana Batalha. Aliás, logo no começo do trabalho é muito maneiro ela comentando que como caxiense foi ouvir falar da Roda fora daqui, processo bastante comum em relação aos ativos culturais da cidade. Baixe aqui.
»» Nos últimos anos, a zeladoria da Roda tem sido puxada pelo GUCA, Grupo Unificar de Capoeira Angola, dos Mestres Peixe e Graffit, que tem sede no Gomeia Galpão Criativo, bem perto da praça.
»» Falando de Capoeira em Caxias é preciso também registrar que ela é uma árvore muito caudalosa e na cidade há outras vertentes que são bastante enraizadas também, como as tradições que vieram de Mestres imprescindíveis como Mestre Gegê, Mestre Raimundo e Mestre Levi. Vertentes que tem construído ações também incríveis, como o Museu Vivo da Capoeira, baseado principalmente nos segundo e terceiro distritos da cidade. (Aliás, Mestre Gegê, do Grupo Maragogipe, é considerado um dos cem principais mestres de capoeira do mundo e um pesquisador dos mais conceituados na arte, além de historiador, instrumentista e compositor).
»» Em 2016, o decreto municipal 6736, de de 27 de dezembro, elevou a Roda Livre de Caxias como Patrimônio Imaterial, um dos primeiros registros do Livro de Tombo da cidade.
»» Uma dica de ouro pra se deleitar com esse universo da Capoeira e com esse acento na Roda Livre é conhecer o trabalho da fotógrafa Maria Buzanovski. Recomendo muito.
»» Nos dias 31 de agosto e 01, 02, 03 de setembro, vai rolar um megaevento de comemoração aos cinquenta anos, com várias atrações (seminários, palestras, rodas, oficinas, exposições, shows, festas), organizadas pelo Grupo Unificar no Gomeia Galpão Criativo. Para levantar custos está rolando uma campanha de financiamento coletivo e qualquer quantia será muito benvinda, além de hospedagem solidária e trabalho voluntário. Só entrar em contato pelo perfil @rodadecaxias
»» Em 2002, Paula Galvão e minha amiga Joana Galetti dirigiram um esse doc sobre a Roda, com edição da própria Joana e do Thiago Carvalho. Circulou pouco mas vale muito a pena:
https://www.youtube.com/watch?v=vODtB38wfQE
Aproveito pra mandar um salve pra meu Mestre Angolinha e pra todos e todas que levam essa missão com tanto amor e dedicação.
E dindindin lá vai viola.
[ heraldohb – pitacolândia – junho23 ]
