Muita coisa boa rolou no papo de abertura do Festival Moacir Santos, acontecido no último domingo e que está disponível no youtube: a própria obra do Moacir, a poesia e a sabedoria do mestre Nei Lopes, o talento especial de Andreia Ernest Dias na condução da conversa, o clima, a quantidade de informação. Mas uma coisa que me fez vibrar uma camada a mais ainda foi ver a participação da jovem Samara Líbano, tocando uma música do Maestro ao violão no começo da transmissão.
Lembro da Samara ainda criança, semblante compenetrado. Pra quem atua no segmento cultural andando pela Baixada Fluminense há tanto tempo, ver a Samara tocando faz revolver várias camadas de emoção. Cria da AMC, uma escola de música incrível em Vilar dos Teles, São João de Meriti, ela chegou por lá pequena e já mandava sinais fortes de que se destacaria na cena musical do Rio pela seriedade com que encarava e desbravava o violão.
Na época em que dirigia o portal Baixada On me lembro das vezes que fui lá fazer matéria e curtir um som. Tinha um evento, que ainda acontece, Roda de Feijão, uma senhora roda de samba com direito a clima de quintal, sombra de árvore, recepção calorosa, uma comida divina e uma molecada que mandava muito bem no instrumental. Toda a nata do samba do Rio passou por lá e a galera jovem sempre na firmeza segurando a pegada, seja no samba ou no choro. Não lembro o nome de outros que passaram por lá, tinha muitos craques, mas a imagem da Samara acabava ficando forte na mente de quem ia. Além do talento precoce e da seriedade com ela encarava o desafio de tocar, pode ter a ver também por ela ter escolhido o sete cordas, esse instrumento que é uma escola de Brasil por si só. O violão sete cordas é uma dessas coisas que evoca o melhor que o país tem.
Sobre a AMC, fundada em 1991, vale dizer que é sem dúvida um dos trabalhos de formação artística mais incríveis do Rio de Janeiro, berço de uma geração de músicos, profissionais e amadores, e de pessoas do bem, conhecedores e amantes das várias vertentes da música brasileira. E também é uma iniciativa que ilustra com precisão esse fato pouco entendido pelos burocratas de que a Arte e a Cultura têm seu tempo próprio e dificilmente cabem em planilhas. É cultivo que brota com o tempo, colheita sempre generosa.
A instituição quando conheci era tocada por três pessoas incríveis, duas delas já não mais entre nós; uma delas, o incrível Bernard van der Weid, que tinha um trabalho muito instigante da área musical. O Amarildo, que eu acabava fazendo uma relação direta com Candeia, pelo fato de ser cadeirante, compositor, pensador, pela sua visão política, pelo seu conhecimento do samba e da cultura negra brasileira, um líder que seria incrível tê-lo hoje nos movimentos culturais. E a Lena Souza que ainda está lá à frente da Escola, heroicamente, e mesmo com os sufocos da falta de patrocínio continua firme sem deixar a peteca cair.
A AMC é uma prova de que “a semente é boa, basta cuidar e confiar”, como dizia o falecido caxiense Jair Lobo, compositor e pesquisador que entendia tudo desse riscado sambístico aí.
Ver uma escola como a AMC funcionando esses anos todos na Baixada, ver a Samara tocando o seu sete cordas com tanto brilho e amor, ver Nei Lopes falando, ver a diversidade da música brasileira… Faz pensar que ainda tem muita coisa que serve de combustível pra continuar acreditando em um país mais humano, mais vivo e longe dessa desgraça que nos abateu nos últimos anos.
[ heraldo hb – pitacolândia – julho de 2020 ]
Papo da abertura do Festival Moacir Santos
Canal da Samara no Youtube
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