mais um moleque preto
debaixo de um saco preto
mais um dia cinzento
mais uma noite de choque
que não é rosa não
é dia de cão
e o gato é pardo
o fato é fardo
rotineiro
cruel
só mais uma vida ao léu
mais um moleque preto
estendido no chão sujo
de sangue e de impunidade
uma vida sem clemência
sem posse, sem tino,
nessa estranha coincidência
que as balas têm
de achar quase sempre
o mesmo destino
o moleque preto não é alvo
é preto
mas o moleque preto é alvo
certo
perto, certeiro, mirado
e tá tudo errado
mas é como se estivesse certo
milhares ao ano
e tantos tão perto
e ao mesmo tempo tão longe
verdade que constrange
que é melhor se calar
mais um moleque preto
no chão vermelho estirado
estatisticamente infeliz
debaixo de um saco preto
deixando à mostra o cinismo
que quase ninguém diz:
o racismo é o esqueleto
no armário do país.