Hoje me veio uma lembrança com fincadinha no peito, de um intervalinho desses entre Natal e Ano Novo, lá em 2007, um ano bom e super corrido: cheguei na nossa Sociedade Musical Lira de Ouro no dia 27 para tomar uma cerveja, colocar os papos em dia, espantar o calor e não acreditei quando me contaram que Camunguelo havia morrido na noite de Natal.
Primeiro sentimento foi de não acreditar.
Segundo de pasmo.
Depois, de revolta: nenhuma menção digna ao fato na nossa mídia dominante.
Depois um sentimento terno de gratidão.
Sobre a figura de Cláudio Camunguelo dá pra encher fácil milhões de linhas e bytes. Presença marcante, corpulento, engraçado, boêmio, humilde, dançante, amigo, moleque, um cara incrível, sempre elegante, com sua flauta e sua inseparável boina branca.
Era daqueles que estavam em todas, coisa rara hoje em dia – da Zona Sul à Baixada, passando sempre pela República Sambística do Irajá, prestigiando várias rodas bacanas. Aqui mesmo em Caxias era presença constante na nossa roda de samba aos sábados, comandadas pelo Zé Antônio; e também dava uma grande moral ao nosso Bloco. Sempre que Camunguelo chegava a roda ficava mais animada, com aquela canja especial regada à sua voz inconfundível, sua flauta e à sua presença iluminada.
Em 2006, tive o prazer e o privilégio de compartilhar de sua presença ajudando a puxar a saída de nosso Bloco da Lira, na sexta de Carnaval, no centro de Caxias. Ainda fecho os olhos e o vejo cantando, zoando a galera, no seu melhor estilo ( Nessa onda que eu vou / Olha a onda iaiá / É o Bafo da Onça / Que acabou de chegar)
No sábado de carnaval desse ano de 2007, ele esteve com a gente de manhã no Bola e estava empolgadíssimo com um filme que um amigo, o cineasta Otávio Bezerra, estava fazendo chamado Atabaques Nzinga. E foi bastante receptivo quando falei de nosso cineclube, o Mate Com Angu, onde já tínhamos exibido um dos curtas feitos sobre ele.
Grande Camunguelo das rodas de todo o Rio… Camunguelo das festas de São Jorge, do fundamento… Camunguelo do partido alto (“ê, Joanita, meu amor é Joanita / sem você, ô Joanita / o meu coração palpita …).
Sobre o que Camunguelo representa, aí não dá nem para falar sem ter aperto na garganta. Um dos últimos malandros de fato, mestre em um tipo de samba que tem algo de espiritual na forma, elo da presença da estiva na história política e cultural do povo, músico com a alma das ruas no sangue e no som de sua flauta…
Na época deu uma certa tristeza no coração ao constatar mais uma vez que nossa imprensa hegemônica, e sobretudo a televisão brasileira, tem se tornado cada vez mais um atraso cultural.
A esperança é que há algo no povo brasileiro que ainda consegue produzir figuras como Cláudio Camunguelo. A questão é se ainda teremos tempo de sobreviver ao mar de boçalidade que nos sufoca. Mas, a internet testá aí e traz alento ao ver tanta gente despertando pra verdadeira riqueza do país que é sua Cultura.
Vida segue e din din din lá vai viola.
[2011]
Pingback: Tirando um som abusadamente com Camunguelo – 2006 – relinkare