São dois jovens sentados, noite chuvosa, meio de semana, dividindo um litrão num trailer numa rodoviária dessas que distribuem a mão de obra que cria a riqueza da Rio de Janeiro. No caso, a rodoviária velha, em Caxias. Reconheço ele e vou saudá-lo, sendo efusivamente recebido. Conheci a pouco tempo, quando o sujeito ganhou, por voto popular, um concurso de vídeo que promovemos na região. Faz teatro e no momento está com um espetáculo sendo montado por aí, A Alma Boa de Setsuan, texto seminal e atualíssimo do Brecht – o dramaturgo alemão, obviamente. A menina conheço agora, mas fica nítida a conexão e a cumplicidade de quem entende algo que está além daquela aparência desoladora do cenário. Seu olhar também é igual ao do cara, cheio de paixão.
Descubro que acabaram de sair do Festival de Teatro que está acontecendo na cidade e aí tudo fez ainda mais sentido – reconheço de longe esse estado pós-fruição de Arte, esse invólucro, aura, essa capa mágica que envolve os corpos logo após viverem uma experiência cultural que transborda pelos poros olhos boca topo da cabeça.
Enquanto consumo um queijo quente e sorvo um latão de milharina, acabo por filar baganas de assunto que os dois derramam pela noite caxiense. Estico um pouco a cerva dando azulzinhos no aplicativo verde do celular só pra curtir um pouco mais essas figuras.
Me despeço dos dois e ganho um abraço generoso de cada um e saio com a alma lavada – o corpo, a chuva que cai já dá conta de lavar também.
Vou em direção à casa pensando que enquanto existir jovens que fazem teatro e bebem uma cerveja à noite numa rodoviária popular do país, saindo de um festival, falando de revoluções, de amor, de arte e de transformação, eu ainda acreditarei em algo de verdadeiro nessa joça.