É muito possível que alguém que você conheça esteja sofrendo nesse momento com o câncer, essa doença que até uns trinta anos sequer podia ter seu nome mencionado abertamente.
É muito possível que seja alguém da sua família ou da família de algum amigo próximo. É muito possível que esteja acontecendo isso com alguém da família dessa pessoa que você encontrou na esquina hoje, que você esbarrou no ônibus, que você foi grosso com ela no mercado.
Sim, o câncer se tornou praticamente uma epidemia na vida das grandes cidades (e atualmente no campo também). Seja pela quantidade de agrotóxicos que ingerimos (em média um brasileiro consome cinco litros de agrotóxico por ano); seja pelo consumo dessas substâncias tão comuns presentes na nossa comida industrializada (os glutamatos e flavorizantes da vida); seja pela poluição; seja pelo glifosato nas ventas como é o caso dos trabalhadores rurais; seja pelas ondas eletromagnéticas sobre as quais ainda não se tem o real impacto na saúde; seja pelo estresse acumulado; seja pelo veneno da Monsanto; seja por uma vingança da Natureza – seja pelo que for. Não importa o motivo aqui, basta dizer que a agonia dessa doença é algo que cada vez mais pessoas vem tendo que conviver, com todas as suas dores e dilaceramentos pessoais.
Minha mãe morreu com um câncer, o mieloma múltiplo, que, segundo os médicos, em 2008 ainda era de certa forma pouco comum. É uma pedreira. O câncer maltrata demais uma pessoa e ainda impacta toda a família, causando dor, desorientação, tristeza, um cansaço sem fim. Lembro de minha irmã guerreira nos corredores do Hospital Pedro Ernesto com ela pra cima e pra baixo; minha cunhada parceira e uns amigos ponta-firme que você descobre nesses momentos; as horas de agonia e as horas de esperança. Lembranças pesadas que ficam pra sempre marcadas.
E pra não ficar no campo só da tristeza também lembro que conheço algumas pessoas, entre elas dois amigos queridos, que tiveram remissão da doença e hoje celebram a vida a cada minuto que podem, sentindo, sem pieguices, como cada dia é uma dádiva. Exemplos.
Mas o motivo de chamar esse assunto à tona e dar esse depoimento tem um objetivo muito direto e nítido. Fato: quem cuida do tratamento do câncer é a rede pública de saúde. Simples assim. Menos de um por cento dos pacientes vão parar nos hospitais da elite, esses que aparecem nos telejornais. Aqui no Estado do Rio, o Inca e o Pedro Ernesto são centros de excelência que efetivamente salvam vidas. SALVAM VIDAS. A despeito da falta de equipamentos, das condições precárias de trabalho, de uma ou outra gerência descompromissada, dos absurdos da falta do basicão, é nessas instituições que nossas pessoas queridas se amparam nessa luta esganiçada pela vida.
Não dá pra confundir as coisas. O mau funcionamento dos hospitais não é porque são públicos. O problema é que o sistema precisa que o povo seja doente e pra isso os hospitais tem que ser sucateados. Fora que a saúde é uma fonte de renda generosa para as máfias do país. Basta citar as OS que comandaram nos últimos anos, e ainda comandam, os hospitais do Rio – um dos tentáculos mais rentáveis das redes criminosas que afundaram o Estado. Basta citar um bandido de alta periculosidade como eduardo cunha, que entre vários patrocínios lesivos, tinha entre os bancadores de seus mandatos, os empresários dos planos de saúde e fornecedores. Ou ainda os vereadorezinhos de merda das cidades desse país que mantém centros sociais capitalizando a doença do povo pra perpetuação de seus poderes.
Isso não tem a ver com a natureza do sistema público de saúde. Não confunda. Basta ver que no mundo os lugares com mais índice de desenvolvimento humano são justamente onde a saúde é pública e universalizada (junto com a Educação e o saneamento básico).
O tratamento do câncer é uma das coisas que põe essa questão a nu: quem salva vidas de verdade é o SUS. É o SAMU, serviço esse que os mais jovens acham que sempre existiu. É o sistema público de traumatologia que salva pessoas nos mais de trinta mil acidentes de trânsito por ano no país. São os guerreiros e guerreiras que trabalham na rede pública em condições precárias mas mantém um fio de ligação de suas profissões com o humano dentro de seus corações. Que deviam era muito ganhar bem e serem respeitados, valorizados de verdade.
É de uma canalhice sem tamanho ver as pessoas que são contra o sistema público de saúde propagando mentiras e pregando uma privatização criminosa. É revoltante ver candidatos a cargos públicos serem contra o SUS (e contra tudo o que é público, aliás) como o deputado militar que se apresenta no momento pra presidência do país.
Pela minha mãe, paraibana radicada na Baixada Fluminense, que foi costureira, empregada doméstica, que criou cinco filhos na garra e na guerra, com muita dignidade e energia; pelas equipes que ralam muito diariamente no Hospital Universitário Pedro Ernesto do Rio Janeiro e no Instituto Nacional do Câncer, o Inca; pelo SUS e sua importância fundamental para o povo brasileiro, eu jamais compactuaria com alguém que seja contra o sistema público de saúde brasileiro.
Pense nisso.
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#pitacolândia – heraldo hb – outubro de 2018