Sou muito fã de capoeira e, embora muitos não acreditem hoje, já fui praticante também hehehe.
Fui aluno do Mestre Angolinha no início dos anos 1990, em um momento onde a divisão capoeira Angola e capoeira Regional ainda era muito marcada. E a Regional era predominante em todos os lugares, menos talvez não em Caxias, onde a Roda Livre sempre foi livre mesmo, mista e democrática.
Mas a Capoeira Angola estava sendo popularizada por conta de dois fatores que me parecem principais. Um deles mais exterior é o fato da Somaterapia do Roberto Freire estar em alta nos círculos de classe média naquele momento e a Capoeira Angola fazia parte do trabalho terapêutico proposto pelo cara. Hoje parece meio inconsequente essa avaliação, mas vale dizer que os livros de Roberto Freire estavam todos nas listas do mais vendidos do país e a gente sabe que quando a classe média compra uma moda… Isso certamente foi um dos fatores que despertaram o interesse da juventude carioca pela capoeira naquele momento, uma teoria aparentemente boba vinda de observação pessoal. Mas isso é o que falei: um dado mais exterior. O fator mais enraizado foi sem dúvida o florescimento do trabalho que alguns mestres vinham fazendo há um tempo, principalmente o Mestre Moares, um dos principais disseminadores da vertente, que viveu um bom período na Baixada Fluminense.
Moares é um baiano, professor, tido com temperamental e metódico, que fundou o GCAP, Grupo de Capoeira Angola Pelourinho, e que teve uma vivência na meiúca Caxias-Belford Roxo. Foi aluno do Mestre João Grande, um dos discípulos mais próximos ao Mestre Pastinha, e firmou uma turma de alunos que eclodiram a Capoeira Angola a partir do Rio, Bahia, Minas, Estados Unidos, Alemanha e depois o mundo. Dessa turma de alunos estavam os que viraram mestres bastante conceituados na difusão da Capoeira Angola no Sudeste. Angolinha, Cobra Mansa, Rogério, Neco, Jurandir, Braga, os que me lembro de cabeça. Rogério, por exemplo, se radicou na Alemanha e o caxiense Cobra Mansa, nos Estados Unidos, criando lá a sede da Fica – Fundação Internacional de Capoeira Angola.
Cito isso aqui de passagem mas devo esclarecer que não sou especialista no assunto e tenho clareza de que é apenas um pedaço dessa história riquíssima e que um dia talvez seja contada à altura, com riqueza de detalhes. Mas cabe a observação de que a Capoeira é tão plural e diversa que algumas histórias, a partir da Baixada, correm paralelas como as trajetórias da Roda Livre de Caxias e a vertente caudalosa registrada pelo Mestre Gegê, do Grupo Maragogipe, considerado um dos cem principais mestres de capoeira do mundo e um pesquisador dos mais conceituados na arte.
Mas isso é história pra pesquisar e uma dica maneira é catar o professor Alexandre Marques, cuja pesquisa com os mestres griôs da Baixada revelou vários desses dados em profusão.
Meu interesse nesse texto é apenas compartilhar uma alegria que tive na noite passada e isso tem a ver com o fato de que gosto de capoeira e fui aluno do Mestre Angolinha, quando este ainda fazia parte do GCAP.
Nosso treino acontecia na laje do bar do Marcão, na rua Henrique Ferreira Gomes, em Caxias. Dos alunos destacados do Angolinha na época três viraram mestres importantes no Rio, Baba, Manoel e Célio. E de vez em quando íamos ao núcleo do GCAP no centro do Rio, na Avenida Passos, onde Manoel, à época ainda Contra-Mestre, começou a dar vida a seu grupo Ypiranga de Pastinha, hoje um trabalho sólido e guerreiro com base no Timbau, na Maré.
Pois bem., como existem vários jogos publicados no youtube, esta noite pensei em assistir algum deles e escolher um para um post falando do Mestre Angolinha, como uma homenagem. Daí que cheguei em um vídeo cujo título dizia Roda com Mestres do GCAP e do Senzala Av. Passos 1992 e me lembrei na hora das vezes em que fomos lá com o Mestre. Cismei de ver o vídeo e a cena de Angolinha dando iê na roda e chamando os mestre convidados do evento me soou muito familiar, embora o looongo tempo em que esse vídeo foi feito.
Fiquei assistindo, imagem ruim, e eis que em 4min39seg vejo a figura do amigo Maurício Folly e sou tomado de grande emoção… Parêntesis: Maurício é um amigo de muitos anos, caxiense também, parceiro de aventuras de minhas épocas de capoeira, macrobiótica e William Reich. Na hora me veio à mente: EU ESTAVA NESSE DIA! E aí, alguns segundos depois, eis que me vejo surgir na tela, irreconhecível pela qualidade do vídeo e pela evidente diferença corpórea – eu não estava só magro, eu vivia na capa do Batman naquela época.
Muita felicidade se rever num documento como esse… A imagem é tosca, um VHS surrado e mal gravado, mas tem um quê de satisfação muito grande, de auto-reconhecimento. Fotografia já era difícil, filmagem então… Muito bom se ver num contexto em que você acredita com toda a alma e corroborar o sentimento de estar no lado mais vibrante dessa parada.
Hoje há uma orgia de câmeras; já há alguns anos Mestre Angolinha tem seu próprio grupo, Manoel é mestre, Célio, na época conhecido como Urubu, é mestre, a capoeira é hoje a maior difusora da língua portuguesa no mundo, a Roda Livre de Caxias continua firme, o tempo passa, os golpes vêm, mas a vida continua a nos surpreender.
E din din din lá vai viola.
Pra saber mais:
Grupo Angolinha: https://pt-br.facebook.com/grupodecapoeira.angolinha
Grupo Ypiranga de Pastinha: https://www.facebook.com/YpirangaIztacalco/
Mestre Gegê: http://danielpenteado.com.br/Bgege.html
Roda Livre de Caxias: http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/roda-livre-de-caxias / http://lurdinha.org/site/roda-livre-de-caxias-40-anos-de-capoeira-cultura-e-historia/
Mestre Moares: http://danielpenteado.com.br/Bmoraes.html
Fica – Fundação Internacional de Capoeira Angola
–