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Há uns anos, uma figura a quem tenho bastante respeito me fez um questionamento público em tom provocador: “ué, você não diz que teu partido é o MST? Como assim você curte Elomar?”
Confesso que a pergunta me deixou meio sem jeito naquele momento.
Era um período em que estava debruçado sobre a Arte de Ter Razão, do Schopenhauer, onde ele analisa os trinta e oito estratagemas para vencer qualquer discussão, mesmo quando se está errado, coisa estudada desde a época dos gregos antigos. Esse livro contribuiu muito pra minha percepção de que em geral a gente está sempre querendo ter razão, mesmo que os motivos das discussões nem tenham tanta importância assim.
Mas, embora estivesse praticando muito a arte de argumentar, fiquei olhando para o figura sem conseguir esboçar qualquer resposta e o assunto acabou descambando para outro lado. Eu podia ter respondido com vários argumentos evidenciando a inconsistência da pergunta, mas não consegui.
Até hoje não sei o porquê, mas essa pergunta dita assim de bate-pronto mexeu comigo. E voltemeia me lembro dela.
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Cada vez mais uso menos a palavra gênio no contexto em que é corrente.
Mas existe no Brasil uma meia dúzia de oito ou dez caras vivos na música para os quais não consigo achar outro adjetivo mais simples. É o caso de Elomar Figueira Mello. E Hermeto Pascoal, Naná Vasconcelos, Egberto Gismonti…
E não tem a ver exatamente com domínio técnico musical ou algo por aí. É mais por uma singularidade, numa relação quase espiritual com a Música, um rol de composições provocadoras e intensas, uma entrega de vida.
A obra de Elomar é foda e ele vem há anos trabalhando nela com a dedicação de um alquimista em seu laboratório, algo como uma missão pessoal nessa “encadernação” terrena. Comovente.
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Elomar está, em minha úmida opinião, em uma categoria de pessoas que acho fundamentais e que às vezes tenho a impressão que estão também em extinção. Chamo de radicais geniais. É uma lista que inclui, pra falar dos vivos, Ariano Suassuna e José Ramos Tinhorão, por exemplo.
Gente que você pode até não concordar com as opiniões, pode chamar de maluco, de extremista, de chato até, mas é uma galera que sempre vai incomodar porque são necessários, principalmente em épocas como a nossa, de culto à conversa-fiada, ao pedantismo e às aparências sociais.
Elomar diz sem menor constrangimento que sua obra é pra posteridade… Odeia a cultura de massa e o modelo estadunidense de organizar a vida, esse rolo-compressor neurótico onde tudo é pra agora. O fato, por exemplo, de não se deixar filmar e fotografar é sempre motivo de zombaria ou esculacho por parte de quem não pára pra pensar que a pessoa pode ter motivos pra isso. Quem só olha rasteiramente a vida, se contentando só com as aparências, muitas vezes perde oportunidades incríveis de conhecer pontos de vista muito diferentes, umas das maiores riquezas de estar vivo. Mal comparando, exemplo tosco, eu fico sempre interessado em saber motivos porque alguém não está nas redes sociais, por exemplo. Ou porque alguém estuda latim hoje em dia ou alguém que se interessa em explorar cavernas…
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Assistir a um espetáculo de Elomar é mais que um privilégio: é uma oportunidade de estar de frente com um ser humano fascinante e uma obra ímpar.
A primeira vez que estive com ele ao vivo, tive a nítida impressão que o cara dava choque, tal a aura forte que emana daquele sertanejo de cara curtida pelo sol e pela dedicação laboriosa à sua obra. Só depois de apertar sua mão desfiz essa impressão do choque elétrico.
Numa outra feita, no teatro Municipal de Niterói, ele tocou na semana em que seu amigo Ernani Maurílio tinha morrido e foi uma experiência muito, muito forte ver um sujeito como aquele cantando, contando histórias e chorando ao mesmo tempo, num turbilhão de Vida em estado bruto, uma noite emocionante ao extremo. Ernani Maurílio é o cara que escreveu o “glossário” que acompanha os primeiros discos de Elomar e era, segundo ele, um dos poucos cabras da cidade que o acompanhava por longos dias no sertão, convivendo com os sertanejos, as onças e as histórias desse Brasil desconhecido. Sempre lembro do velho Guimarães Rosa quando falo isso.
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A formação com a malucada nos anos 80 incluía necessariamente os volumes 1 e 2 do vinil Cantoria, registros de um show histórico que percorreu o país no finalzinho da ditadura e que trazia o incrível quarteto Elomar, Xangai, Vital Farias e Geraldo Azevedo. A gravadora Kuarup faliu, vinil hoje em dia quase ninguém ouve, mas graças à internet esses dois discos até hoje conquistam almas por aí… Recomendo absurdo, pancadão desses de remexer com força o popozão da alma.
Graças ao Sagrado, conheci isso aos 14 anos com a malucada caxiense, principalmente meus heróis de Jardim Primavera. Gratidão eterna.
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Elomar toca no Rio, na Caixa Cultural,nos próximos dias 14 e 15 de dezembro [2013]. Eu vou.
Uns links:
Site oficial: www.elomar.com.br
Wikipedia:https://pt.wikipedia.org/wiki/Elomar_Figueira_Mello
Grupo sobre Elomar no facebook: https://www.facebook.com/groups/elomar/
Elomar por Vinícius de Moraes:https://www.facebook.com/notes/heraldo-hb/elomar-figueira-mello-por-vin%C3%ADcius-de-moraes/678110155552676
Campo Branco:http://www.youtube.com/watch?v=DvZaPsuJKuI
Cantiga de Amigo:http://www.youtube.com/watch?v=c11SEPA-YFc
Meu brother, seu argumento pra quando te questionarem dessa forma novamente:
“Ô Zefinha
Essa é a terra de ninguém
Guarda na lembrança ela é a esperança
Dos filhos da terra
Que a terra não tem
Dos filhos da terra
Que a terra não tem”