Nesta sexta-feira, o mundo do samba perdeu duas personalidades importantes, Laíla e Mestre Mug.
Laíla, que conhecia tudo, absolutamente tudo, no mundo do samba, acabava sendo um rosto conhecido por anualmente aparecer nas coberturas midiáticas do Carnaval do Rio. Figura carimbada. Já o Mestre Mug não era tão conhecido do grande público, embora fosse um dos mestres de bateria mais conceituados do país. Grande figura.
Foi o Mestre Mug que me fez começar a prestar a atenção na complexa arte e ciência da harmonia de bateria de escola de samba.
Ele me faz lembrar os anos que andei muito pela Vila Isabel, embriagadamente enamorado, andando pelas calçadas musicais do bairro, pelos botecos, pelas festas de rock, militância e eventos da Uerj. Momentos de paixão deliciosa e fossa braba. Lembra o disco perfeito de Martinho de 84, o Martinho de Vila Isabel, com seu encarte emocionante, a praça Sete, o Petisco, “o boteco da Petrocochino”, as figuras do bairro.
A Unidos da Vila Isabel não tinha quadra ainda e os ensaios transitavam entre o Colégio Equador, espécie de base para os ensaios, e a festiva 28 de setembro.
Vendo várias vezes a escola tocar sob a batuta de Mug (que foi mestre por mais de vinte anos) é que foi encaixando dentro de mim o entendimento dessa força atávica que as baterias de escola de samba despertam. Comecei até a sacar a porrada de roqueiros que tocavam na Mangueira, no Salgueiro e na Vila… Tem algo ali que mexe com as profundezas da alma, não importa muito a persona que você encarna no dia a dia. O momento da entrada de uma bateria afiada te leva pra um lugar que balança suas certezas corporais. Nem preciso (e nem tenho autoridade pra isso), nem preciso dizer que tem a ver com a ancestralidade que é evocada de com força a cada chamada do repique, a cada floreio de caixa, a cada marcação do surdo de primeira e, ainda mais magicamente, nas viradas do surdo de terceira, molho do qual Mestre Mug era fera. Sem querer (e sem poder) teorizar, o surdo de terceira talvez seja como a blue note do blues, o jazz, o “mojo” do Muddy Waters… “I got my mojo working “…
Uma vez fui com uns amigos falar com o Mug e me lembro que fiquei bem impressionado com sua figura. E não tirava da cabeça a música que meu amigo Renato Alcântara sempre lembrava, de Bide e Ataulfo Alves, “a reação dos tamborins, começou lá no bairro de Noel…”. Dessa vez em que vi Mestre Mug bem de perto foi pra mim como se ele personificasse essa música, responsável por alguma coisa mágica que aconteceu ali na Vila e que nunca teríamos acesso. Viagem total, eu sei.
E foi com Mestre Mug me apresentando essa percepção, sem ele saber, que comecei a acompanhar os caras que comandaram bonito as principais baterias nos anos noventa como Jorjão, Paulinho, Ciça, Odilon…
Com o tempo, admirar o trabalho dos mestres e contra-mestres de bateria passou a ser uma das coisas que me instigam nessa vida; eu mesmo ataco de ritmista entusiasta nos blocos aqui da minha cidade, como o Lira de Ouro, o Certo Pra Dar Merda e o saudoso Presença de Birita, onde eu assumia com garbo e dedicação o surdo de segunda.
Bateria de escola de samba é algo de uma riqueza que ainda não conseguimos mensurar; um dia quem sabe.
Valeu, Mestre Mug! Descanse na Paz! E que assim que a pandemia acabar as baterias do Carnaval nos salvem dessa onda pesada e careta que nos abateu.
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[heraldohb – 18/06/21, anotações de uma sexta-feira pandêmica, entre um pouco de frio e um pouco de nostalgia]