Apresentação do livro Manual Prático para Uso de Objetos Sensíveis, de André Oliveira

André Oliveira - Manual Prático para Uso de Objetos Sensíveis

Pra ajudar a conhecer mais sobre o livro que você tem em mãos agora vale a pena umas palavras sobre seu autor, o André Oliveira, figuraça a quem tenho o prazer de conhecer há um considerável tempo.

Quando o conheci ele era um dos jovens integrantes do Utopicus Pacificus, grupo que pensava/sentia/promovia/provocava coisas artísticas e culturais em Caxias, Baixada Fluminense, num clima ainda muito impregnado dos efeitos sinistros da brutal e recém-acabada ditadura civil-militar que assolou o país. Era um grupo de jovens insatisfeitos com o mundo (aleluia!) e isso incluía na alça de mira o coronelismo reinante na região, que impunha limites castradores muito concretos, e o que acabava por demarcar um modus de produção estética muito característico da geração e que repercute até hoje.

Eu era fã daqueles poetas loucos e suas criações, como o zine porradeiro Escória, de David Macedo Sá e Paulo KMKZ, a revista de poesia Arrulho, editada por Eduardo Ribeiro, e o Barrulho Cultural, espécie de happening inacreditável pra época em Caxias, que reunia poesia, música, artes plásticas e muita provocação estética, onde me aproximei de André Oliveira, então vendedor de títulos funerários, poeta dadaísta e já guerrilheiro cultural.

E eis que em meio a toda efervescência política da “Nova República”, volta da eleição direta pra presidente, constituinte e tal, André se emburaca por um caminho de experiências místicas e observação interior, indo morar em comunidades alternativas em algumas partes do país. Alguns anos dedicado a meditação, agricultura, mestre Sai Baba, confecção de pão, artesanato e formulações políticas mais holísticas.

Conto isso porque acho que diz muito sobre o cara, como se esses anos aí tivessem fortalecido essa sua marca de se manter sereno mesmo em momentos de extrema tensão. É como se tivesse firmado no seu espírito um espaço sagrado de observação, de contemplação interna, que acaba impregnando boa parte do que faz. E que está derramado neste livro também.

De maneira que depois que caiu de vez no ativismo político cultural, André veio construindo um marca muito específica de ação. Um misto de senso prático sobre o que pode ser feito na solução de problemas e um respeito quase religioso às diferenças de pensamento e convivência.

E dentro de sua aparência de tranquilidade já dava pra notar uma sacação certeira sobre os rumos que a revolução tecnológica estava tomando, um verdadeiro caranguejo de antenas – imagem forte do movimento manguebit, sobre o qual, no Rio, ouvi pela primeira vez de sua boca. E em sua casa foi onde vi e ouvi pela primeira vez o disco Da Lama ao Caos, do Chico Science e Nação Zumbi, uma parada que saquei na hora que ia mudar tudo. Uma parada, como ele mesmo diz no poema Dadá 2: “entre o sotaque e o satélite”.

Aliás, Mangue FM foi o nome escolhido pra um projeto lá de 95 que André trouxe e botamos pra rolo: criar uma rádio em Caxias que a galera ouvisse, que depois rebatizei pra Quarup FM, uma experiência de dois anos loucos e de muita aprendizagem.

Também lembro quando a web foi aberta no país e eu fiquei alucinado, virando noites babando, quase fora da casinha; André foi um dos primeiros caras na Baixada que entendeu tudo de cara, onde aquela parada maluca poderia chegar.

Fomos animadores culturais no Programa Especial de Educação, dos CIEPs, e era engraçado ver que no meio de todo o quebra-pau que sempre rolava, André acaba por sempre trazer uma sugestão sensata que quase sempre resolvia questões emperradas. E esse modo de ser característico é percebido por todo mundo que convive com o cara. Mas é bom que se diga que às vezes por causa dessa ponderação toda dá uma vontade danada de socar a cara do sujeito até sair sangue, mas no final das contas dá pra sentir que tem um quê de índio velho ali dentro daquele corpo, uma onda boa.

E é esse turbilhão interno que está aqui nas páginas desse livro, veias abertas de um cara que tem um senso de humanidade muito aguçado. Uma parada que é meio zen mas que tem lado, um profundo senso ético sobre as implicações políticas da vida no cotidiano, o drama das metrópoles, a solidariedade com o povo, com as mazelas das quebradas da Baixada, do país.

Conheço bem essa cidade e as pessoas que vivem nela

Quem manda e quem obedece

Quem mata e quem faz chover” (Minha Gente)

 

Manual Prático para Uso de Objetos Sensíveis é um livro de poemas-testemunho em primeiro lugar, onde a primeira pessoa está exposta e está expondo fraturas, fraquezas, insights sobre a vida e suas limitações, em um lirismo cru e visceral.

É fruto de uma seleção dentro de centenas de poemas que André vem juntando há muitos anos (em páginas escritas a mão, datilografadas, digitadas), testemunhos de alguém que em todos os momentos não deixou de escrever o sentimento do momento, uma coletânea de percepções sobre a vida.

E também sobre o amor e a coragem de amar, como ele deixa nítido em Eu ainda escrevo poemas de amor:

Que o meu grito é meu maior poema de amor”

Câmbio, desligo. Era o que eu tinha a dizer e agora sugiro um mergulho no livro tendo a certeza de que tem muita verdade e sentimento aqui dentro.

O referido é verdade e dou fé.

Heraldo HB
novembro de 2016

Deixar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.