É uma quinta-feira de inverno, por volta das dezessete horas, na avenida Governador Leonel de Moura Brizola, nome imponente de uma pessoa que marcou a história do país e cuja lenda foi engrossada justamente nessa região, a Baixada Fluminense. Basta dizer que o partido que o sujeito criou, que o fez ser governador por duas vezes e que ganhou projeção nacional, teve sua ata de fundação assinada em Caxias. Bem, aconteceu justamente nessa avenida, que é bom que se diga, é uma via histórica. Aliás, chamava-se até bem pouco tempo avenida Presidente Kennedy, o que dá uma dimensão de como o Bob foi mesmo um cara pop nos anos sessenta, a ponto de dar nome a tantas ruas pelo país. A propósito, o povão aqui ainda chama a via de “a Kennedy”. Pois bem, ela já foi a Rio-Petrópolis, parte fundamental do caminho dos tropeiros que cruzavam o Recôncavo da Guanabara por conta das rotas comerciais da Colônia e do Império. O próprio imperador cruzou muito essa via. Uma rua que já viu crimes que emocionaram o país; que já presenciou cenas de ação de um filme importante para o Cinema brasileiro, com direito a perseguição de carros e tiroteios. Via que passa por vários marcos físicos importantes como a antiga Fazenda Iguassu e a Igreja do Pilar, esta uma edificação que está de pé desde o século XVIII, mesmo saqueada, mesmo em estado de merecimento de uma reforma à vera. Onde hoje se come um churrasquinho no Douglas a qualquer hora da madruga, na calçada da casa onde o lendário Homem da Capa Preta morava com sua família e com a famosa metralhadora Lurdinha.
Uma via que foi a primeira de longa distância asfaltada do país, ainda no governo Washington Luis, a lombo de cavalos, em 1928. Uma via que viu vários de seus monumentos históricos virem abaixo, sem que as pessoas que poderiam evitar isso nada fizessem para impedir.
Enfim, nessa avenida marcante, numa quinta-feira de inverno, fria mas sem chuva, em meio a um momento político de golpe no país, nesse dia e lugar foi que aconteceu esse fato. Ah, sim, vale também mencionar que foi justamente na altura de onde existia o lendário Cine River, o bar Palhoça, o botequim do Paulinho, onde tinha o escudo dos quatro grandes times do Rio e, com maior destaque, o escudo maior do Mecão, reinando soberano às vistas dos frequentadores, muitos dos quais ligados ao samba da região, como o grande Seu Piedade, vivaço, oitenta e bráu anos de sabedoria malandra. Na altura do Balança Mas Não Cai, construção que parece um enorme monumento ao caos e ao concreto; próximo à quadra da Acadêmicos do Grande Rio; onde tem um boteco de esquina em cuja frente há uma das mais frondosas e lindas amendoeiras da cidade; o ponto exato da frente de um prédio onde Dona Hermínia, uma velhinha que era uma menina, deu aulas de yoga durante décadas em Caxias, o que deixa aquela impressão na gente que esse negócio de yoga deve fazer bem mesmo pra mente e muitão pro corpo.
Pois bem, nesse ponto exato, nesse dia do inverno de 2017, por volta das dezessete, que aconteceu o singelo fato: duas equipes de Cinema se cruzam, cada uma de um lado da pista, cada uma envolvida nos seus corres específicos. Trânsito intenso, se olham alguns segundos, acenam um cumprimento festivo, meio correndo por conta de pré-produção, meio bobos, meio eufóricos, sei lá. Mas certamente muito felizes por sentir que apesar de tudo a vida segue e que é bom ver que dois filmes novos estão nascendo, embalados pela canção nervosa, poluída e terna ditada pelo ritmo frenético dessa cidade.
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@heraldohb