Sábado último, dia 02 de abril, foi o Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo, data criada em 2007 pela ONU com o objetivo de chamar a atenção da sociedade para o chamado TEA, Transtorno do Espectro Autista. E ajudar a trazer mais informações sobre o assunto, principalmente para auxiliar no combate ao preconceito contra pessoas que vivem com essa condição.
E a data esse ano me faz lembrar muito do grande amigo Paullo Ramos, que nos deixou em abril de 2020, no começo da pandemia, quando a gente ainda tava tentando entender a situação e aprendendo a se proteger do tal coronavírus.
E a lembrança tem a ver com o fato de que os últimos de vida de Paullo foram de uma dedicação apaixonada sobre o tema do autismo, assunto que foi levado a se envolver a partir da professora e pintora Valéria Ramos, grande conhecedora e lutadora da causa.
Incrível como durante os vários anos de encontros com Paullo sempre foi a mesma coisa: cada papo era um convite a pensar algo novo, algo que fizesse as pessoas se mexerem e repensarem seus papeis em meio a uma sociedade cada vez mais utilitária e individualista. E sempre com a Arte como ferramenta, provocação e encantamento.
Inquietações que estavam em tudo o que o cara fez, inclusive no único livro que publicou, o Será a Arte um Ovni?, onde entre outras sacadas, discute a ideia da arte como um “escafandro” que permite mergulhos no inconsciente humano, com a possibilidade de uma “volta” segura e com aprendizados transformadores. Na linha da mestra Nise da Silveira, a quem ele sempre fez referência durante sua vida, em seus cursos e palestras.
Daí que o envolvimento dele com a situação do autismo foi como se um universo imensurável de possibilidades se abrisse. Nos últimos anos continuou ainda pintando e dando aulas de Artes, mas num ritmo mais devagar. As atividades de arteterapia passaram a ser nesse período a sua atividade principal, que fazia seu coração bater com entusiasmo juvenil.
Era muito empolgante encontrá-lo e vê-lo falar de suas experiências com as crianças e jovens autistas e o quanto ele estava aprendendo de coisas novas, de como isso era ao mesmo tempo desafiador e alimentador da alma. Lá no Cires, o Centro Integrado de Reabilitação Sarapuí, ele tinha virado uma espécie de referência de como a Arte pode abrir caminhos e indicar possibilidades para crianças, jovens e adultos autistas na região.
Um dia, num encontro nosso, ele me falou da questão se estavam atualmente nascendo mais pessoas com diagnóstico de autismo ou se na verdade, elas sempre estiveram aí e eram invisibilizadas, o que me fez pensar que eu mesmo não sabia nada sobre esse universo. A partir da vivência com pessoas autistas, Paullo conseguia falar sobre a sociedade de uma forma muito direta, de como a gente vai, sem se dar conta, padronizando tudo, naturalizando esses padrões e passando por cima das diferenças.
Importante dizer que num país com a desigualdade social como a nossa, onde a Saúde pública tem sido atacada covardemente, é gritante como falta apoio à vera para famílias que convivem com pessoas autistas. A rede pública é deficitária e mesmo o atendimento particular é difícil. Falta muito para o mínimo ainda e isso cria enormes e cansativas dificuldades para estas famílias.
Talvez as únicas coisas que dão um certo alento é saber que o assunto tem se tornado mais popular e que mais gente tem chegado pra trocar informação e pra cobrar apoio efetivo dos governos e demais instituições.
Sobre a lembrança do Paullo (que faria aniversário no último dia vinte de março) tem o fato da pandemia não ter permitido um velório à sua altura, o que talvez tenha me dado uma demora muito grande pra ficha cair de que o amigo se foi mesmo. Até pouco tempo no ano passado sentia uma certa impressão de que poderia esbarrar com ele aqui nos nossos caminhos comuns e tomar aquele cafezinho filosófico e gostoso, como foram tantos em tantos anos.
A saudade é grande, mas é reconfortante a certeza de saber que ali estava um grande ser humano, um artista de grande sensibilidade e um lutador pelo humanismo que tanto nos tem feito falta.
Sobre o autismo é isso: vale a pena pesquisar e se abrir pra conhecer mais. Tem sempre alguém autista muito próximo a você, pode acreditar.
E viva a Arte.
[ heraldo hb – pitacolândia – abril de 2022 ]