O FIM MELANCÓLICO DE JABOR

arnaldo jabor

Criei dificuldade até de olhar pros cornos de Arnaldo Jabor desde que começou a brotar na tevê aberta como um comentarista de tudo, opinando sobre política, economia e comportamento, numa tentativa meio patética de ser um novo Paulo Francis. Curiosamente, ambos fazem parte dessa curiosa lista de pessoas brilhantes que na juventude são de esquerda e vão endireitando, endireitando, até virarem uma espécie de caricatura de si mesmos.

Cheguei a ler textos muitos bons dele; o cara era bom de caneta também, aspecto que acabou meio apagado desde que o sujeito virou uma metralhadora de críticas histéricas baseadas num liberalismo raso, e se tornar um dos principais responsáveis pela popularização de um antipetismo que fez muito mal ao país.

Mas, confesso que gosto de vários filmes do cabra, incluindo alguns do mergulho dele no universo de Nelson Rodrigues. Lembro, por exemplo, que gostava muito do diálogo corporal, o modo como a câmera bailava com Fernanda Torres e Thales Pan Chacon em Eu Sei Que Vou Te Amar. Mas tem dois que pra mim são das melhores coisas feitas por aquela geração de cineastas.

Um é o A Opinião Pública, provocador documentário que põe a nu uma parte considerável dessa classe média dos centros urbanos, com seus vícios, suas contradições; e cuja crueza que surge na tela explica tantos atrasos no país, desenhando uma linha quase contínua que explica até o apoio desse segmento a uma energúmeno como o atual presidente. É um filme que vale a pena ver hoje ainda.

O outro é o curta-metragem O Circo, ainda da década de sessenta, que é de um lirismo comovente e demonstra que tinha algo mesmo de inquieto e sincero dentro daquele coração que foi murchando ressentidamente com o tempo. Sinto um jovem de talento numa briga interna, tentando empatia com o Brasil real, numa luta, possivelmente consciente, entre o que via e sentia e seus inevitáveis vícios de classe e demônios internos. No filme, há uma mirada terna em relação aos artistas circenses e seu diálogo umbilical com o povo, essa entidade mítica que tantos artistas, intelectuais e políticos tentam entender e capturar até hoje. E uma particularidade desse filme: são as primeiras imagens que existem de José Datrino, um caminhoneiro que, a partir de um incêndio de um circo em Niterói, onde morreram quinhentas pessoas, tem uma revelação divina e se transforma no Profeta Gentileza.

Jabor, um fim melancólico pra um cara que tinha grande talento. É aquilo: não basta ser genial, brilhante, talentoso e tal se no final essa onda braba neoliberal toma conta do coração da pessoa. O resultado é sempre ruim.

Vou aproveitar que tem no youtube e hoje à noite vou rever o Circo só pra dar uma moral pra memória do lado cineasta dele.

[heraldo hb – pitacolândia – fevereiro de 2022]

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