Uma pessoa que fica repetindo a essa altura que estamos vivendo numa ditadura me parece enquadrada em três tipos: ou é alguém que está meio perdido, sem noção – por falta de estudar história, por sequela de anos lendo as vejas da vida ou por conveniência social (há círculos sociais onde é de bom tom ser anti-Dilma); ou é alguém mal intencionado e que repete isso por algum motivo bem consciente; ou é um completo imbecil, desses de carteirinha assinada por olavos e constantinos da vida.
É um comentário dito assim de forma bem grosseira e aparentemente reducionista, mas me veio após assistir à edição do jornal da globo dessa segunda-feira que abre a segunda quinzena de dezembro.
Gente, entenda: só mesmo numa democracia para que um panfleto escancaradamente golpista como esse seja transmitido numa TV aberta, de boa assim. Sério.
É uma peça audiovisual com uma montagem beirando a sordidez, uma fórmula que não resistiria a um mínimo de crítica, caso o jornalismo ainda fosse uma atividade digna de comentários (o jornalismo anda em extinção).
Não bastasse os cornos e a conhecida uruca do william waack, a edição abre com um matéria requentada, minuciosamente editada, onde as ênfases são as palavras PT e ex-presidente Lula. Nada de novo. Até porque os delatores que aparecem na matéria, por exemplo, já apontaram tipos como aécio neves como recebedor de dinheiro ilícito várias vezes, mas a seleção de informação tem seu propósito de ser…
Ainda tem o Sr. Paulo Skaf, presidente da Fiesp – PRESIDENTE DA FIESP!!! – conclamando abertamente o impedimento da presidente de forma no mínimo acintosa. Mais de dois minutos de TV aberta, sem cortes – praticamente um reclame contratado. Um sujeito que sequer tem voto vem conclamar a população a aderir a um bagulho escrotamente montado dessa forma vil. O texto da nota, lido na íntegra, é constrangedor e será um desses documentos de vergonha alheia no futuro. Vale procurar a repercussão na mídia internacional a essa desastrosa nota do representante do que seria a “grande indústria” nacional.
E ainda tem, não podia faltar, o mote denunciador clássico “apesar da crise”… Sim, “apesar da crise”, as matérias sobre o aumento das oportunidades de estágios no país e sobre números atuais do IDH passam a ideia de que fudeu a porra toda. E ainda tem uma condescendência inexplicável com um tipo escroque como eduardo cunha, alçado à presidência da Câmara Federal graças ao lamaçal ético/moral em que a sociedade civil e o governo federal chafurdam por falta, entre outras coisas, de vivências políticas locais longe do poder bélico, neo-pentecostal e clientelista. (eduardo cunha não é só uma doença; é também um sintoma absurdamente nítido).
Pra terminar (terminar o meu saco e não a edição do telejornal), aparece uma matéria sobre jogos olímpicos, com atletas visitando locações da emissora, com direito a comentário de ninguém menos do que ele, a lenda viva, galvão bueno… Taquiupariu…
Mas o que é alento: a edição do jornal não traz em nenhum momento, ZERO CITAÇÃO, o fiasco completo das manifestações chamadas para o domingo, um mico desses de reverberar durante muito tempo. Apesar da nítida convocação para que o povo comparecesse, o plano deu ruim e foi melhor nem tocar nesse assunto…
Fui criança debaixo de uma ditadura; e obviamente, só depois de mais velho fui entender a merda e a brabeza que isso representou; consigo entender tudo o que meu filho pode viver hoje em relação à liberdade de expressão – ainda que disputada – e à luta por direitos – ainda que ameaçados pelo conservadorismo arraigado no país. Não repita que vivemos numa ditadura, por favor.
Ainda bem que nem tenho TV em casa. E ainda bem que a Internet tem construído outros espaços de formação de opinião. Ainda bem que vejo patos ridículos virando micos. Ainda bem que vejo gente entendendo que o Brasil é maior que essa gente equivocada, identificada com a lamentável direita paulistana e com a decadente “formação de opinião” de certos lugares do Jardim Botânico.
Lutar por mais direitos e radicalização da democracia não é fazer coro ao golpe em marcha.
Como estamos numa “semana star wars”, vale o reforço para estar atento à ação dos senadores palpatines de ocasião, tramando para que se abram espaços para tirania de novos impérios usurpadores e concentradores de renda e poder.
E que a Força esteja com a gente sempre.