Sim, eu tenho uns ídolos e alguns deles estão vivos, muito vivos. E um deles faz aniversário hoje: Nelson Pereira dos Santos.
No meu segundo livro falo dos dois impactos que Nelson de certa forma me provocou na adolescência, um deles com Vidas Secas assistido em VHS numa das cabines da Biblioteca do Brizola. Junto com uma meia dúzia de filmes que bagunçaram meu espírito e dos amigos comparsas da época (Eles Não Usam Black Tie, A Classe Operária Vai ao Paraíso, Jango, A Hora da Estrela…) A “Biblioteca do Brizola” é onde hoje é a Biblioteca Parque, ali perto da Central e era o povo que a chamava assim.
Depois com 15 pra 16 anos, já com dois anos de carteira assinada e já do grêmio do Instituto de Educação Roberto Silveira, fui convidado pra uma sessão do cineclube Baixada, no finado teatro Procópio Ferreira, no quarto andar da Câmara Municipal de Caxias. Era uma das últimas exibições do cineclube e era uma cópia em 16mm do Memórias do Cárcere, baseado no livro do Graciliano Ramos. Foi uma porrada… O barulhinho do projetor rodando e o vigor que o filme trazia me deixaram muito desnorteado na época, mais do que eu já era, e sinto que foi ali que começou minha vida política por assim dizer. Aliás, revi o filme há uns meses e de novo me arrepiaram os cabelos da alma.
Aliás, há quase dois anos ando envolvido estudando a obra de Nelson por conta de um roteiro que venho tocando com os chapas Igor Barradas e Luisa Pitanga; e posso dizer que cada vez mais me vejo fã do cabra. O respeito ao povo, aos botequins, a busca por um cinema popular brasileiro, a contramão quando todos esperavam uma suposta coerência dogmática, a favela, o mergulho em Graciliano, Machado, Jorge Amado, as mil possibilidades da fábula; o domínio da gramática do Cinema, a Umbanda e o Candomblé retratados com respeito e presença; Grande Otelo, que só por isso seria demais; a inclusão nos filmes de gente genial que por pouco não ficou invisibilizada como Alvaiade, Batatinha, Zé Keti; a Parati-Pasárgada, o O Amuleto de Ogum filmado em Caxias…
Por duas vezes, tive a honra de tomar umas cervejas com o mestre e fico pensando que isso jamais passaria pela cabeça daquele Heraldo lá detrás, do mundo neoliberal arrasa-quarteirão, da falta de perspectivas, em Caxias, uma Baixada ainda mais árida que hoje, sem parentes importantes, sem casa própria, tímido e com problemas de dicção.
E aí que lendo, relendo, vendo seus filmes e tomando uma gelada com meu ídolo acabou que, mesmo ídolo, o sinto hoje na real como uma espécie de amigo mais velho, um cúmplice na luta que tanta gente ao longo das décadas vem travando pra fazer arte, pra se divertir e pra construir um país mais humano e com menos desigualdade social.
Parabéns, Nelson, meu brother.